Jude Bellingham: o garoto de Birmingham que faz a Inglaterra voltar a sonhar

O garoto de 20 anos conquistou quase tudo o que era possível no Real - mas ele tem a estrela para também liderar a Inglaterra à glória na Alemanha?

"A ganância é boa", afirmou Gordon Gekko, em Wall Street de 1987. "A ganância é correta, a ganância funciona, a ganância esclarece, atravessa e captura a essência do espírito evolutivo."

O filme foi lançado 16 anos antes de Jude Bellingham nascer, mas o meio-campista do Real Madrid absorveu a mensagem, ao que parece. Na semana antes da final da Champions League, ele admitiu que não estava surpreso com o quão incrível tinha sido sua temporada de estreia na capital espanhola.

"Eu vim para cá porque queria vencer, o que é quase ganancioso, mas você tem que ter confiança quando joga com tantos grandes jogadores", Bellingham disse a repórteres. Perguntado sobre qual seria o próximo passo se ele ganhasse a Liga dos Campeões, o inglês também não hesitou: "A Eurocopa," ele disse. "Eu acabei de falar sobre ser ganancioso..."

Bom, Bellingham venceu a Champions. Desde então, aproveitou a semana de folga para relaxar. Mas agora é hora desse próximo passo. Hora de Bellingham honrar Gordon Gekko e conquistar mais uma medalha - agora por seu país.

Sorte de principiante (pela terceira vez)?

A Euro 2024 será o terceiro grande torneio de Bellingham, mais uma conquista notável para um jogador que ainda tem 20 anos e deve comemorar seu aniversário no fim de semana em que a Inglaterra espera jogar sua primeira partida eliminatória.

Na Euro 2020 remarcada, ele estava principalmente se ambientando, jogando 55 minutos no total em três aparições como substituto. Dezoito meses depois, na Copa do Mundo de 2022, ele consolidou seu status como titular da Inglaterra, sendo titular em todos os cinco jogos no Qatar e marcando seu primeiro gol internacional contra o Irã, como havia prometido em sua entrevista pré-jogo.

Bellingham agora segue para a Alemanha como a estrela da equipe, não o capitão, mas o líder em todos os outros sentidos. O fato de poder ostentar o título espanhol e a Liga dos Campeões reforça ainda mais seu status, que já estava quase régio pelos feitos que alcançou ao longo de sua primeira temporada com o Madrid.

Sem perder tempo

Bellingham chegou ao clube mais prestigioso do mundo e jogou como se fosse o dono de tudo. Ele marcou mais gols nos seus primeiros 15 jogos pelo Madrid do que qualquer jogador na história do time, incluindo os maiores artilheiros de todos os tempos, Cristiano Ronaldo, Raúl e Alfredo di Stefano.

Ele marcou gols de todos os tipos, desde as mais simples cabeçadas - contra Almería e Celta de Vigo -, até um golaço de fora da área contra o Barcelona e um gol ao estilo Diego Maradona contra o Napoli, no estádio nomeado em homenagem ao grande argentino.

Os torcedores e repórteres ligados ao Madrid o compararam a vários jogadores, mesmo que muitos nem tenham muita coisa em comum entre si. A estrutura física e a aura de Zinédine Zidane, a consciência defensiva de Claude Makelele, a confiança de Ronaldo e a dedicação de Clarence Seedorf. Por aí vai.

Bellingham encantou o Real Madrid desde o primeiro dia, e até sua apresentação oficial, que costuma ser um evento tedioso e roteirizado, deixou os espectadores impressionados. Ele demonstrou seu interesse pela história do clube e um desejo de se assimilar à cultura local, algo que antigos jogadores estrangeiros, como Gareth Bale e Michael Owen, nunca fizeram.

Ele mostrou seu grande respeito a Luka Modric e Toni Kroos, sempre dizendo que estava lá para aprender com eles. Ele estava até mesmo ciente dos jornalistas locais, dizendo a Sid Lowe, do The Guardian, que era "um grande fã".

"Presente para o futebol"

Carlo Ancelotti resumiu a aura de Bellingham após o Madrid vencer o Napoli por 4 a 2, na Liga dos Campeões, em novembro, quando disse que o meio-campista era "um presente para o futebol".

"O treinador, seus companheiros de equipe e os torcedores estão encantados com ele, mas também todo o mundo do futebol", disse o italiano. "Eles estão felizes por ver um jogador com esse potencial, passando uma imagem tão positiva".

O italiano não está errado. Quando Gary Lineker, Micah Richards e Alan Shearer discutiam as chances da Inglaterra na Eurocopa, no programa Match of the Day Top 10, a expressão dos três comentaristas mudou, e o senso de admiração pelo jovem de 20 anos era claro. A mera menção ao nome de Bellingham fez Richards baixar a cabeça e dizer "Oh meu Deus", com Shearer rapidamente acrescentando: "Que temporada". Eles sabem que ele é o jogador que pode fazer a diferença na Alemanha para acabar com a seca de títulos de 58 anos da nação.

"Muitas pessoas sentem que ele é o tipo de jogador que tem muito a oferecer, que pode te levar adiante, porque para ganhar algo, alguém tem que fazer acontecer, ele pode ser esse tipo de jogador", disse Lineker. "Ele tem tudo, tem habilidades, tem visão, tem estatura, tem presença".

Shearer acrescentou: "Ele tem essa arrogância no bom sentido, você pode vê-lo de pé, ele tem isso, e isso é uma coisa brilhante".

À sombra de Zidane

Ancelotti falou que Bellingham é "o jogador ideal para o futebol atual" devido à sua combinação de qualidades físicas e técnicas. E como o único treinador que teve a honra de trabalhar com Bellingham e Zidane, ele tem bagagem para comparar ambos.

"O que eu acho diferente é a capacidade dele de chegar na área, o que Zidane não tinha. Zidane tinha uma qualidade individual que Bellingham não tem,” disse Ancelotti. “Essa é a principal diferença, mas este é o futebol moderno, que requer jogadores fisicamente fortes como Bellingham, que são capazes de cobrir todo o campo com muito velocidade".

Embora o francês já tivesse se aposentado quando ele começou a assistir futebol, Bellingham tinha uma fascinação por Zidane. Ao chegar ao Madrid, ele perguntou se poderia pegar a camisa número 5 - que Zidane usava como jogador dos Blancos - do defensor Jesús Vallejo, que cedeu de boa vontade.

No entanto, o número que Bellingham realmente queria pertencia a Antonio Rudiger - mas o alemão não estava disposto a cedê-lo.

Cria de Birmingham

Bellingham usava o número 22 no Birmingham City e no Borussia Dortmund, e a história por trás disso é mais uma demonstração do tipo de jogador completo que ele aspirava ser desde os 12 anos de idade. Seu antigo treinador de base no Birmingham, Mike Dodds, o incentivou a atuar como um número 4 (volante), um número 8 (box-to-box) e número 10 (meia-atacante). A soma desses números resulta em 22.

Dodds disse ao The Guardian: “Como a maioria dos garotos, ele queria marcar gols, mas eu sentia que ele estava se prejudicando um pouco. Toda vez que analisávamos suas performances, perguntávamos: 'Você foi um número 22 hoje?' O número 22 era tão significativo para ele; fazia parte do seu programa de desenvolvimento desde os 12 ou 13 anos. Falávamos sobre ser um número 22 provavelmente duas ou três vezes por semana durante a maior parte de quatro ou cinco anos".

Dodds também revelou que Bellingham era tão apaixonado por futebol que usava um uniforme diferente a cada dia nos treinos, e uma vez cortou o cabelo imitando o estilo icônico - embora questionável - de 'Cascão' de Ronaldo Fenômeno

Dodds trabalhou com Bellingham no início e no final de sua passagem pelo Birmingham, onde, a nível profissional, se tornaria o mais jovem estreante do clube, aos 16 anos, quebrando um recorde de 40 anos anteriormente detido pelo falecido Trevor Francis. Mesmo anos antes de estrear, Bellingham, um torcedor do Birmingham desde a infância, já conhecia bem o legado de Francis e, segundo o The Guardian, estava ansioso para ser fotografado com ele caso algum dia o superasse. Os rostos de Bellingham e Francis agora adornam um mural do lado de fora do estádio St. Andrews do clube.

O Real Madrid tem colhido os frutos de uma ideia plantada em Birmingham, e agora a Inglaterra quer fazer o mesmo na Alemanha, o país onde Bellingham amadureceu com o Dortmund depois de deixar os Blues após completar 17 anos.

O papel de Southgate

A Inglaterra já tem um baita número 4 - Declan Rice - e um baita número 8 - Phil Foden. E há quem acredite que a melhor forma de Gareth Southgate tirar o máximo de Bellingham é jogá-los juntos em um meio-campo com três jogadores.

"Eu gostaria de vê-lo no meio-campo para que ele possa ser acionado mais vezees, adoraria ver ele e Foden jogando assim," disse Lineker. "[Mas] não acho que [Southgate] fará isso. Adoro vê-lo lá na frente, ele tem esse vigor que lhe permite ir e voltar, teria um pouco mais de influência".

O treinador da Inglaterra divide opiniões, mas uma coisa que é universalmente aceita é que ele tem guiado Bellingham com perfeição, trazendo-o para a seleção ainda aos 17 anos. O principal triunfo de Southgate com a Inglaterra, além de chegar a uma semifinal de Copa do Mundo e à final da Euro, tem sido capacitar seus jogadores. Mas ele não quer que o time veja Bellingham como seu salvador.

Equipes anteriores da Inglaterra cometeram o erro de esperar que um jogador resolvesse seus problemas - desde David Beckham a Steven Gerrard e Wayne Rooney. É fácil entender por que Southgate quer evitar que o mesmo aconteça com Bellingham.

Talismã ideal

"Tenho certeza de que ele vai [levantar o time], mas não é responsabilidade dele fazer isso," disse Southgate, na última semana. "Não estamos colocando tudo nas costas do Jude. Temos muitos bons jogadores e é uma questão coletiva tentar ganhar este torneio. Ele é, claro, um jogador com uma mentalidade incrível e terá um grande impacto em todo o grupo".

Essa mentalidade incrível tem sido visível durante toda a temporada no Real Madrid e foi demonstrada na última aparição de Bellingham pela Inglaterra contra a Bélgica, quando ele liderou um time cheio de lesões, incluindo de Harry Kane, marcando o gol do empate em 2 a 2 nos acréscimos.

A boa notícia é que Bellingham estará em boa companhia no ataque da Inglaterra. Ele trabalhará em conjunto com Kane, outro jogador que tem ido muito bem em um gigante europeu fora da Inglaterra. Some a eles Foden e Bukayo Saka, além de Rice.

Não, a Inglaterra não será um time de um só jogador na Alemanha. Mas não dava para pedir um jogador melhor do que o garoto de Birmingham que queria ser Trevor Francis, Ronaldo e Zidane ao mesmo tempo - e, de alguma forma, parece estar conseguindo.