Southgate precisa aprender a usar Harry Kane
O 100% de aproveitamento de Gareth Southgate em estreias de grandes torneios ainda está intacto. A Inglaterra lidera o Grupo C, após a vitória por 1 a 0 sobre a Sérvia, e, salvo uma improvável tragédia, deve agora garantir uma vaga na próxima fase da Euro.
Mas nenhum dos pesos pesados do torneio vão temer o time de Southgate com base no desempenho de domingo (16). A Inglaterra parecia sem inspiração contra a Sérvia e só conseguiu os três pontos porque Jude Bellingham assumiu a responsabilidade.
Foi o gol do jogador do Real Madrid, aos 13 minutos, que fez a diferença - o inglês cronometou perfeitamente sua corrida para completar cruzamento de Bukayo Saka e cabecear com força para as redes. A Inglaterra mereceu a liderança e jogou em um ritmo frenético nos primeiros 30 minutos, mas logo ficou sem fôlego e recuou no segundo tempo, o que levou a alguns momentos tensos. A Sérvia poderia muito bem ter arrancado um empate se não fosse pelos reflexos excepcionais de Jordan Pickford.
Foi o tipo de atuação mais retraída que os torcedores ingleses já se acostumaram na 'era Southgate'. E haverá mais desilusões se isso não mudar.
Harry Kane, especialmente, não quer passar mais 90 minutos como espectador. Tirar o melhor do camisa 9 será a diferença entre glória e fracasso para os ingleses - mas Southgate ainda parece não ter aprendido com seus erros do passado.
Não é o Haaland da Inglaterra
Não dá para criticar quem até chegou a questionar se Kane estava mesmo em campo no primeiro tempo. O capitão da Inglaterra teve atuação completamente apagada, como indicam seus meros dois toques na bola, com Southgate pedindo para que ele pressionasse a defesa da Sérvia para permitir que jogadores como Bellingham, Saka e Phil Foden tivessem mais espaço.
Não foi antes dos 32 minutos do 2° tempo que Kane teve uma chance real, quando ele superou seu marcador para cabecear um cruzamento de Jarrod Bowen para belíssima defesa do goleiro sérvio Predrag Rajkovic, que viu a bola ainda pegar no travessão. Kane trabalhou duro como um pivô no segundo tempo e ganhou várias faltas para aliviar parte da pressão sobre a Inglaterra, mas foi uma noite muito frustrante para o jogador de 30 anos.
"Kane exerceu o papel de [Erling] Haaland", escreveu Jamie Carragher, ex-defensor e ídolo do Liverpool e da seleção inglesa. Muito foi falado sobre o pouco envolvimento de Haaland pelo Manchester City na última temporada, e Carragher ficou perplexo ao ver Kane assumindo um papel igualmente isolado.
"Haaland me parece um atacante que se mede apenas pelo retorno de gols, Kane não", acrescentou Carragher em sua coluna sobre a Eurocopa no The Telegraph. "Não estou convencido de que jogar como um velho 'atacante de força' contra um zagueiro físico seja um papel que ele goste ou queira exercer. Ele não estava jogando dessa forma na abertura da Euro por altruismo" explicou. "A escalação exigiu isso dele".
Kane marcou 44 gols em sua temporada de estreia no Bayern, mas ele é mais do que apenas um artilheiro. A Inglaterra precisa também de suas qualidades criativas se quiserem cumprir seu papel como favoritos antes do torneio.
Vítima do conservadorismo de Southgate
Kane é um mestre em recuar e fazer passes incisivos, e esses atributos são desperdiçados quando ele joga na linha do último defensor. Contra a Sérvia, a Inglaterra ficou carente de corredores como resultado de Kane estar espetado tão alto no campo, sendo Saka o único a tentar se infiltrar atrás da defesa adversária.
No entanto, o capitão dos Três Leões insistiu que estava disposto a se sacrificar pela equipe, sugerindo que Southgate ajustará a escalação para cada adversário conforme o torneio avança. "Eu acho que cada jogo será diferente", disse Kane à BBC, quando questionado sobre sua atuação discreta. "Hoje eu fiquei um pouco mais alto porque eles gostam de defender homem a homem, eu queria mantê-los recuados para que Jude e Phil pudessem jogar nas entrelinhas e Trent [Alexander-Arnold], no lado direito. Cada jogo será diferente, às vezes você me verá recuar e às vezes me verá jogar mais alto".
Foi uma resposta diplomática de Kane, mas que não soou muito convincente. Southgate fez muitas coisas boas desde que assumiu o comando da Inglaterra em 2016, mas poucos o descreveriam como um treinador taticamente flexível; ele gosta que sua equipe seja compacta e tende a ser reativo em vez de proativo com suas substituições.
Southgate não cria um ambiente propício para o talento ofensivo e não seria surpreendente se ele escolhesse a mesma escalação contra a Dinamarca, na quinta-feira (20). Ele tem o elenco mais talentoso da Europa, mas a maneira cautelosa como utiliza jogadores como Kane traz à mente a famosa citação de Zlatan Ibrahimovic sobre seu tempo trabalhando com Pep Guardiola no Barcelona: "Eu sou uma Ferrari, mas você está me dirigindo como se eu fosse um Fiat".
Dando uma geral na casinha
Kane não foi o único jogador prejudicado pelo sistema de Southgate, pois Foden jogou pelo lado esquerdo, à frente de Kieran Trippier. O craque do Manchester City parecia bem aquém de sua melhor versão desta temporada, tendo dificuldades para construir qualquer tipo de entrosamento com Trippier, resultando em uma Inglaterra muito dependente de Saka no flanco oposto.
O equilíbrio no meio-campo também não estava certo, com Alexander-Arnold decepcionando tanto no ataque quanto na defesa. Mesmo Bellingham, que foi o jogador de maior destaque, teve dificuldades enquanto a Sérvia assumia o controle na parte final da partida.
Southgate tem uma tarefa difícil para acomodar todos os melhores jogadores de ataque da Inglaterra, mas ele realmente deveria adotar uma postura mais impositiva contra a Dinamarca. Foden poderia facilmente começar no meio, ao lado de Bellingham e Declan Rice, com Anthony Gordon oferecendo profundidade pelo lado esquerdo.
Em um simples 4-3-3, Foden pode causar mais estragos flutuando entre as linhas, com Bellingham atuando como suporte e Rice logo à frente da defesa. Kane teria chances bem maiores de oferecer um impacto maior na partida.
Pelo menos por enquanto, Southgate deveria abandonar a ideia de utilizar Alexander-Arnold no meio-campo. A Inglaterra penou para vencer seu primeiro jogo, e equipes melhores podem desmontá-los se melhorias significativas não forem feitas.
Problemas de adatapção
Havia muitas semelhanças entre a exibição da Inglaterra contra a Sérvia e a derrota na final da Euro 2020, para a Itália, três anos atrás. Em ambas as ocasiões, o time de Southgate começou com tudo e tomou a iniciativa, mas depois recuou e permitiu que seus adversários gradualmente assumissem o controle da partida.
Como de praxe, levou até os 24' do 2° tempo para Southgate fazer sua primeira substituição, momento em que a Inglaterra já estava acuada em sua própria metade do campo. Alexander-Arnold finalmente saiu para dar lugar a Conor Gallagher, do Chelsea, que ajudou a reforçar o meio-campo antes de Saka dar lugar a Bowen. Kobbie Mainoo ainda entrou no lugar do artilheiro Bellingham, nos minutos finais.
Em outras palavras, o 'Sr. Conservador' fez jus ao seu apelido. Gordon, Ollie Watkins e Cole Palmer ficaram apenas esquentando o banco enquanto Southgate se recusava a correr riscos. Mesmo Kane realmente deveria ter saído, se não por outro motivo, para dar à Inglaterra uma nova 'injeção de velocidade' no terço final.
"Tínhamos controle do jogo, mas gastamos muita energia no primeiro tempo", admitiu Southgate. "Também não mantivemos a posse de bola tão bem no segundo tempo, tivemos menos controle".
Se Southgate pôde ver que seus jogadores estavam se cansando, por que diabos ele esperou tanto para agir? Treinadores de elite sempre têm um Plano B, e até mesmo C, D e E; eles sabem como apagar incêndios e se adaptar aos contratempos. Mesmo com oito anos de gestão, sua capacidade de administrar jogos ainda o deixa na mão, o que não cheira muito bem para as esperanças da Inglaterra de finalmente acabar com quase 60 anos de sofrimento, na Alemanha.
Bellingham não trabalha sozinho
É justo dizer que a Inglaterra não teria vencido a Sérvia sem Bellingham. Ele foi colossal, especialmente no primeiro tempo - Southgate mais tarde afirmou que o craque do Real Madrid "escreve seu próprio roteiro".
É bom que ele tenha feito isso, porque seguir o roteiro do treinador à risca provavelmente teria levado a um empate - ou derrota. Bellingham é um talento raro, do tipo que aparece apenas uma vez por geração, e ele levou a Inglaterra à vitória por pura força de vontade.
O jovem de 20 anos não se esconde dos holofotes, mas os aprecia, tendo uma força de caráter que separa os bons jogadores dos grandes.
Mas ele não pode fazer isso sozinho.
Embora Foden estivesse jogando fora de posição, ele não fez nem de perto o suficiente quando teve a bola, e parecia se esconder de suas responsabilidades como principal armador da Inglaterra. Alexander-Arnold também foi mal. Rice, ainda, também não esteve à altura de seus padrões habituais.
Eles precisam seguir o exemplo de Bellingham e começar a tomar os jogos pelo pescoço. A Inglaterra tem qualidade em todo o campo, mas essa mentalidade vencedora é a coisa mais importante quando se trata de conquistar troféus.
"Estou disposto a fazer o que for preciso e estou pronto para fazer de tudo para ajudar o país a vencer este torneio de futebol", disse Bellingham. Todos os principais jogadores da Inglaterra precisa ter a mesma atitude.
E agora?
Não é hora, claro, de entrar em pânico. Conquistar os três pontos foi tudo o que realmente importou, e a Inglaterra fez isso mesmo sem atingir seu máximo, provando mais uma vez que poder se defender bem quando está com as costas contra a parede.
Mas ainda há uma sensação geral de que Southgate está desperdiçando o potencial incrível deste grupo. Seria imperdoável se a Inglaterra falhasse novamente sem jogar seu melhor futebol.
Contra a Sérvia, houve uma sinalização desse bom futebol, mas antes dos ingleses voltarem aos seus velhos hábitos. Alemanha e Espanha demonstraram um instinto matador em suas respectivas estreias que a Inglaterra ainda não desenvolveu sob o comando de Southgate.
Por outro lado, a seleção inglesa mostrou sua proeza defensiva, e manter o gol invicto é a base de qualquer equipe bem-sucedida. Marc Guéhi foi, sem dúvida, o melhor em campo, e será uma clara evolução em relação a Harry Maguire se conseguir manter o bom desempenho - ainda mais considerando que John Stones provavelmente crescerá no torneio à medida que ganha ritmo de jogo.
Mas a Inglaterra precisa parar de dar chance ao azar. Uma mesma performance contra a Dinamarca levantaria sérios sinais de alerta, e cabe apenas a Southgate finalmente mostrar que pode pensar rápido e começar a jogar com a ousadia que se espera.
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